13.6.07

...o que quase ninguem viu - ESTAMIRA

É comum excelentes documentários brasileiros serem supervalorizados lá fora enquanto no Brasil o conceito desta arte é desconhecida pela maioria. O cinema nacional não atrai tanto o brasileiro aos cinemas, nem mesmo nos camelôs eles conseguem muita atenção. Não é diferente quando o assunto é documentário, que é uma forma inteligente de projeção mais barata e acessível. O erro é geral, desde a cultura brasileira até a falta de incentivo governamental a arte do cinema. O diretor Marcos Prado provou desta deficiência brasileira quando recebeu 29 prêmios pelo ótimo “Estamira”, sendo apenas 5 recebidos aqui no Brasil. A falta de atenção pela obra é gritante, o que se torna mais absurdo ainda por se tratar do retrato de uma brasileira catadora de lixo, que os estrangeiros conhecem melhor do que nós brasileiros.

“Estamira” exibe a realidade enfrentada por uma mulher pobre e indefesa diante a exploração que sofria pelo pai e pelo marido, e a realidade vivida no momento presente. A calamidade que são os lixões e a vida de quem depende deles também é explorada pelo documentário, de forma passiva, pois em nenhum momento o documentário se posiciona e critica diretamente o que esta exibindo, a crítica é vista nas imagens e na conclusão de cada um que assiste. Para muitos o documentário nada mais é do que um conteúdo real sobre esquizofrenia e uma pequena crítica aos vergonhosos lixões. Os fatos exibidos no documentário permitem concluir muito além disto. A proposta do filme é que se entenda como a senhora de nome Estamira enxerga e explica a realidade, e até mesmo a sua própria perturbação.
O resultado deste espantoso retrato real é extremamente abrangente e estimulante. Estamira não soube lidar, quando mais jovem, com as marcantes experiências que viveu, como estupros, fome, miséria, torturas, abusos. Porém o que se pode entender quando vemos a sua vida presente é que ela se tornou capaz de entender claramente a realidade do mundo e da vida, a sua loucura nada mais é que resultado do conhecimento de tal realidade, ou seja, a realidade é perturbadora, ser louco é ser realista, poucos como Estamira conseguem ser, enxergar ou conviver realmente com a realidade como ela consegue agora, capacidade que atingiu ao longo dos seus traumas e experiências naturais. Estes poucos que não são capazes de ver a realidade encontram o seu refugio na fé, enquanto Estamira tem como refugio ela mesma. Ela se vê com a missão de espalhar a verdade, e que tudo depende de sua existência. A sua repulsa a Deus não deve ser simplesmente interpretada como um sentimento maligno, basta tentar imaginar como alguém revoltada com a realidade, mas em plena consciência dela possa ainda acreditar que exista um salvador do mundo, um Deus. Estamira é um ser que reúne todos ou quase todos os sentimentos que um ser humano pode sentir, desde a gratidão ao ódio, da lucidez a loucura. Ela tem sua própria filosofia, e consegue ser muitas vezes desafiadora em seus discursos sobre aspectos científicos e naturais do ser humano, além de ser um poço de criticas claras e “perigosas”. Ela dá uma lição de moral para quem não dá e nem vê valor a pequenas coisas, valor nem ao nosso próprio lixo, ou melhor, o que se diz lixo.
Estamira quando diz estar em todo lugar ressalta a idéia de que há sempre alguém como ela ou alguém que um dia será como ela, uma mulher feita acima de tudo de idéias, criticas e vida, não só de carne e osso. O documentário além de tudo, no meu ponto de vista, deixa a fórmula contra a loucura, basta nunca conhecer a realidade do mundo, portanto ser mudo, cego e surdo.
(Obs: Este texto é uma republicação minha, pois já foi publicado no meu fotolog!)

13 comentários:

Anônimo disse...

Eu ja tinha lido essa sua crítica no fotolog... hsuahsuau Mas eu acho que nem disse que tinha visto seu fotolog...
Eu adoro documentários, mas nunca vi muito documentários, tenho vontade de assistir mais.
Estamira eu tive a oportunidade de assistir. Receio que não dei a devida atenção que gosto de ter quando vejo a um filme, e não cheguei ao final do filme, mas é um documentário muito bem feito.
Foi inevitável, em abiente escolar, deixar de rir de algumas teorias de Estamira, mas a sua insanidade representa ao mesmo tempo sua lucidez: o modo como ela enxerga a realidade é incontestável...
Recomendo este documentário também Will!
Abraço amigo

Anônimo disse...

Sou uma grande admiradora de docs!
Peguei uma matéria na facul esse semestre... foi meio decepcionante, mas deu pra ver vários!
Infelizmente nunca vi Estamira, mas parece ser maravilhoso!
Gostei muito do post, mais pessoal e reflexivo...
Vou assistir logo que puder! Valeu a sugestão e parabens mesmo pelo texto!

Beijos

Anônimo disse...

Puxa, seu texto está ótimo! Pena que ainda não vi esse documentário bastante elogiado pela crítica - é uma pena que filmes como esse não tenham uma distribuição adequada em nossos cinemas.

Até mais!
Abraço!

Unknown disse...

Parabéns pelo blog e obrigado por visitar o Cine & Cia.
Atualmente estou administrando outro blog o charliechaplin.wordpress.com dá uma olhada nesse e se desejar linká-lo agradeceria muito!
Abraço.

Bárbara Cristina disse...

will
eu não vi todo o documentário
mas as partes que vi achei importante mostrar, mas confesso que fiquei um pouco chocada.É incrível como que ao não sermos acostumados a viver coisas assim,não damos o devido valor!
beijoss
=*

Marcus Vinícius disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcus Vinícius disse...

Preciso ver também. Parece ser espetacular mesmo.

Amigo, o blog "Caminhante Noturno Games" espera sua visita. O endereço é: http://caminoturnogames.blogspot.com

Abraços e até mais!

Gustavo H.R. disse...

É verdade que o melhor do nosso cinema não raro é ignorado por uma maior parte de nós mesmos, o que não deixa de ser algo lamentável. Se fosse de outro modo, talvez ESTAMIRA tivesse mais chances de passar em mais lugares, atingindo um maior número de espectadores dispostos a apreciar um retrato pungente de uma realidade tão próxima de nós.
Infelizmente e por exemplo, ele não passou nem na sala de "arte" da minha cidade. Paciência.

Cumps.

Alex Gonçalves disse...

Sou um espectador que não vejo documentários, mesmo que não tenha preconceito algum com este gênero cinematográfico distinto de tantos outros. Mas isto é relacionado as locadoras que não adquirei bons títulos em seu acervo, o que acaba me tornando uma vítima.
Gostei de sua opinião, pois foi composta pelo seu comportamento ao ver o filme e a reflexão que você pôde tirar desta experiência.
Anotarei na minha lista de filmes a assistir.
Abraço.

Anônimo disse...

Baixei Estamira mas ainda não vi.Fiquei mais motivado depois do seu post..hehe
Tentarei ver o mais rápido possível!

Eduardo Vilar disse...

você por acaso é de Santos? esse filme passou no Cinearte daqui (caso você não seja, é um cinemazinho alternativo e bem barato que tem aqui, passa uns filmes desconhecidos e muito bons).

uma coisa que eu achei muito boa nesse filme foi que ele humaniza as pessoas que são mostradas no documentário. humaniza no sentido de não fazer como a maioria dos videos sobre um lixão que apenas tratam as pessoas ali como pobres miseráveis . as pessoas não se resumem a sua condição social("humanizar humanos" soou meio estranho, mas acho que deu pra entender a idéia). no documentário você pode ver a Estamira se divertindo com os colegas, dando risada e tal, a relação com a família, assim como conhecer todo o drama da realidade do lixão e dos acontecimentos da vida dela que são contados no filme.
é um ótimo filme, faz você refletir sobre muitas coisas...
belo post!

Anônimo disse...

O gênero documentário no Brasil sofre mesmo. Mas Estamira está ai pra mostra o quanto ele pode ser inventivo e interessante. Me lembro que fiquei bastante impressionado com o filme, muito reflexivo e também pertubador. Além de contar com construção de imagens perfeitas (adoro a cena final) e a ótima fotografia. Vale muito ver esse filme, é uma experiência única. Isso se vc se entregar às provocações do filme. Valeu Wiliam.

Eleuzi disse...

ESTAMIRA

No rosto de Estamira, vejo alguém que se negou a copiar hipocrisias e mentiras, alguém que se negou a acreditar em um Deus que não a livrou de ser abusada quando criança, não a livrou da prostituição, que não evitou que ela fosse traída por quem confiava, que fosse humilhada, negligenciada, um Deus que a deixou ser estuprada, separada da filha querida, que a deixou perder-se em meio a sua loucura consciente, que a deixou no meio do lixo, que a deixou no meio dos urubus, que a deixou...
Vejo uma Estamira feliz ao contrário, necessária ao contrário, vivendo ao contrário, sonhando ao contrário. Estamira não é com certeza um estereotipo de “sangüíneo”, é única em seu sofrimento em sua dor e revolta, é única no seu conhecimento, nas suas frustrações e na sua peculiar alegria de ser Estamira.
Olhando para a sua história é fácil imaginar que somos capazes de entender tudo que ela passou e passa, mas com certeza seriamos menos hipócritas, se assumíssemos nada saber de uma realidade que está muito longe de nossas vidas.
O que estamira vive pertence somente a ela e somente ela, dentro de sua louca lucidez é capaz de nos descrever. Estamira é ciente do que é, e do que não é na sua vida, e dentro da sua razão, encontra lógica para tudo que diz e pensa, e com certeza convenceria muitos, se parássemos para ouvi-la.
Sua vida tem muito mais de realidade que vemos todos os dias nos jornais. Estamira assumiu o controle do controle remoto da sua vida, se desprendeu de princípios e conceitos estipulados pela sociedade. Em meio ao lixo e a sujeira, ela criou sua história, sem ideologias e sem cores. Criou seu próprio estilo de vida “O estilo de ser Estamira”.


Por: Eleuzi de Jesus dos Santos