16.5.08

...o Jovem Maio 68 - 40 anos

A 61ª edição do Festival de Cannes estreou com a Cegueira de Meirelles e o sentimento nostálgico de um tempo onde a cegueira não reinou, Maio de 1968. Há 40 anos o Festival de Cannes parou. No dia 13 de maio, os cineastas Jean-Luc Godard, François Truffaut e Claude Lelouch chegam à 21ª edição do evento e disseminam o caráter da revolta que acontecia em Paris desde o início daquele mês. O júri integrado por Roman Polanski, Louis Malle e a atriz Monica Vitti se adere ao protesto e o boicote é consolidado após a retirada dos filmes de Milos Forman, Carlos Saura e Alain Resnais, que disputavam a Palma de Ouro. Cannes é encerrado e o vigor político revolucionário é premiado. O que diabos acontecia? Ora, tudo “começou” dia 1 de Janeiro quando cinéfilos e cineastas saem em protesto indignados com o ministro da Cultura da França, Andre Malraux, que além de ameaçar cortar verbas da Cinemateca Francesa ainda havia demitido um dos fundadores da instituição, Henri Langlois. Em Maio, estudantes ocupam universidades e as ruas de Paris em confronto violento com os policiais da Compagnie Républicaines de Securité (CRS), a tropa de choque francesa. É o basta à burocracia das Universidades e a luta pelo reconhecimento da diversidade cultural e alcance dos direitos civis, assim como a liberação sexual e o anti-autoritarismo. Postura da Nova Esquerda, inspirados pelos intelectuais Herbert Marcuse e Guy Debord, os estudantes utilizavam a violência e a força intelectual da linguagem em cartazes e pichações que diziam: "A imaginação ao poder", “Abaixo o realismo socialista. Viva o surrealismo”, “Consuma mais, viva menos” ou “A humanidade só será feliz quando o último capitalista for enforcado com as tripas do último esquerdista”, dentre outros. Um contexto ideológico que se assemelhava muito aos indícios críticos da Nouvelle Vague, um dos motivos do Cinema ser considerado um personagem extremamente importante neste cenário político e social. Não foram apenas os cineastas da Nouvelle Vague que se mobilizaram, mas também o sindicato dos trabalhadores que anunciava greve e exigia melhoras nas condições de trabalho e aumento salarial.
O ano de 1968 foi palco de revoltas mundiais. No Brasil, estréia peça teatral “Roda Viva” (escrita por Chico Buarque e dirigida por José Celso Martinez Corrêa) enquanto estudantes enfrentavam o intensificado regime militar, marcado pela forte repressão policial e censura política. No mesmo ano, atores da peça são espancados por radicais de direita (integrantes do grupo Comando Caça aos Comunistas, CCC). E ainda, Carlos Marighella anuncia a criação da Ação Libertadora Nacional (ALN), organização que propunha a luta armada contra a ditadura militar. Nos EUA, Martin Luther King, militante dos movimentos contra a segregação racial, é assassinado no Tenesse. Dias depois o musical “Hair” estréia na Broadway causando polêmica pela nudez e apologia às drogas. Ano também em que Robert Kennedy é assassinado. Tais fatos são alguns de vários acontecimentos que marcaram aquele ano de paradoxos e também de juventude que não estava entendendo nada, segundo Caetano Veloso após ser vaiado por jovens na apresentação da canção “É proibido proibir”.
Não é um aniversário de 40 anos, mas a celebração de anos que sempre remetem a 1968. O legado tem dimensões que conceituam democracia, aceitação da diversidade espiritual, cultural e sexual, dentre outros. Foi o ano que as manifestações organizadas e conscientes mostraram que podem mudar o rumo do sistema, mesmo que sem nenhuma tomada de poder pela juventude, como aconteceu.
O Cinema talvez seja o principal fator de memória e insistência nostálgica daquele ano. Mesmo com a intensidade ideológica dos conflitos juvenis e todo o contexto político mundial, o ano de 1968 aos poucos perde a sua lembrança e reconhecimento no âmbito político e social atual. A sétima arte, porém, hora ou outra nos presenteia com obras como Amantes Constantes, de Phillipe Garrel e Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci, que é felizmente tendencioso ao preferir relatar um caso isolado de três jovens que se refugiam em discursos políticos românticos, revolucionários, sexo, cigarro e Cinema ao invés de abordar as rebeliões estudantis de 68 em si. Bertolucci age intencionalmente crítico, pois afinal é esta a realidade da juventude contemporânea. Jovens que falam em Marx, socialismo, anarquismo, liberdade de expressão, Che Guevara e mais um acervo de termos revolucionários, que em tese e na prática ficam soltas em conversas de bar.
1968. O ano que aguardamos voltar. Há 40 anos dorme uma juventude. Descubra o Cinema se quiser conhecê-la! Ou se infiltre em bibliotecas e tente entre livros do Harry Potter encontrar algo que para aqueles tempos interessava a muitos.
Fonte: g1.globo.com

10 comentários:

Otavio Almeida disse...

Hmm... Gostei muito do seu texto. Parabéns mesmo, rapaz! Impecável!

Abs! E bom final de semana!

Rafael Carvalho disse...

Ótimo texto Wiliam. Os acontecimentos do Maio de 68 precisam contantemente ser lembrados para que esse espírito de lutas contra as injustiças sociais e a favor das formas de liberdade. Principalmente entre o público jovem que, atualmente, tem se tornado cada vez mais alienado com a situação política de nossa época. Em homenagem a esse acontecimento, o Festival de Cannes está fazendo uma mostra paralela com os filmes selecionados para o Festival naquele ano. Abraço!!!!

Kamila disse...

Muito legal essa matéria, William! Me lembro que este acontecimento é retratado de forma bem superficial no final de "Os Sonhadores".

Bom final de semana!

Unknown disse...

Muito bom esse seu post. Diferente dos outros sobre Cannes. Parabéns!

E digo mais. Se você imaginar que era preciso, aqui no Brasil, ver filmes na surdina, que fantástico era o cinema daquela época. Os cineclubes exerciam um papel importantíssimo de denúncia e conscientização política. Os filmes que a gente vê hoje em dia, e até cultua, circulavam clandestinamente.

A minha opinião sobre Bertolucci talvez soe prepotente, mas acho ele um diretor fraco e seus sonhadores, futeis. Eu fico com Edukators, que vi na mesma semana que o citado.

Abs!

Anônimo disse...

Me sinto um tanto leigo ao confrontar elogios e menções à tantos diretores antigos renomados. Mas paciência, um dia chego lá. Isso que dá ter nascido em 91, perdi a graça dos anos 80.

Mas belo texto, me deixou bem ligado e intrigado.

Ciao!

Anônimo disse...

Penso no comodismo e no medo que se alastra nos dias de hoje. Naquele tempo não tinha o virtual e seu "anonimato" para movimentar milhões de covardes que só conseguem dizer o que pensam escondidos atrás de monitores. De 1960 a 1980 foi o período do cara-a-cara, de falar sem ter medo e de despertar a coragem de outros com a sua. De botar a boca no trombone e fazer coro.

Infelizmente a cultura do analfabetismo e da pobreza é lucro (e dos grandes). Para que um povo articulado se isso é o mesmo que alimentar um leão com as mãos? É mais fácil dar capim a cordeiros e enfileirá-los para o abate.

Adorei seu texto por lembrar bem uma época conturbada colocando o cinema em plano de arma essencial, ontem e hoje. Aqui no Brasil Glauber Rocha pode ser citado como o cabeça do Cinema Novo (inspirado na própria Nouvelle Vague), responsável por conter a onda bitolada da chanchada e resgatar nosso cinema com uma mentalidade mais adulta de Brasil. Parabéns mesmo, Will!

Robson Saldanha disse...

Texto excelente. Fala de tudo um pouco, um modo diferente de se falar sobre Cannes e tudo o mais. Gostei do blog. Tá linkado!

Anônimo disse...

Realmente, lembro desses acontecimentos no filme Os sonhadores de Bertolucci.
E o festival de Cannes mais uma vez mostrou diversos filmes interessantes e ficaria aguardando ansiosamente para assisti-los.

Unknown disse...

Wiliam, meu querido
Amei todo esse texto, muito bem elaborado e abrangente...
Adoro ler sobre 1968, um ano cheio de frases emblemáticas "O Ano que não terminou"; "O Ano que vivemos em Perigo" etc... Os filmes citados na matéria são todos excelentes e com muita originalidade... Parabéns pelo post... Te adoro!!!! bjussss amigo

Anônimo disse...

Engajamento Will!