Qual o poder das lembranças, a importância das origens e as mudanças que o tempo tratou de modificar no seu ser interior? São os questionamentos que o roteirista e diretor Tony Gatlif, vencedor do prêmio de Melhor Diretor por esse filme no Festival de Cannes de 2004, propõe refletir durante esse estimulante road movie.
Da França à Argélia, os personagens transpõem não só barreiras clandestinas, como também culturas e costumes estrangeiros que desafiam a identidade de cada um. Como um bom filme de estrada, os personagens são gradativamente apresentados até se tornarem os mais completos possíveis. Nesse aspecto, o diretor assume o papel de harmonizador da estética do espaço com a expressividade dos personagens. A fotografia moldada na geografia do submundo, forte e pesada, utiliza-se constantemente dos temperamentos de Zano (Romain Duris) e Naïma (Lubna Azabal) em busca do quadro perfeito, a relação animal do ser humano com o espaço. Há uma sensação de que o bucolismo nunca esteve tão interagido como está nessa obra. A fantástica cena de reconciliação do casal, após um suposto adultério numa apimentada noite de dança flamenca, deve ser a provável ilustração da descoberta do sexo e do pecado por Adão e Eva.
A música é outra constante na história, pois assume a noção de vitalidade da alma e do corpo como o refúgio de cada vez mais tornar-se estrangeiro, estar distante de tudo que lhe pertence. Mas é exatamente nesse ponto que está o paradoxo, a ironia. A viagem é um retorno às lembranças de Zano, mas Naima aos poucos percebe que o incomodo de ser estrangeira é talvez perceber que pertence àquilo tudo que se depara ao longo da viagem. O primor da seqüência final é transmitir tensamente as intenções dos personagens naquela espécie de exorcismo da alma e reorientação das origens.
Ao término de Exílios, aquela sensação de excelente filme é inevitável. Nada falta, nada excede. Destaque para a bela e espontânea Naima, interpretada brilhantemente por Lubna Azabal, um personagem único no Cinema. Romain Duris completa Azabal de maneira necessária e gratificante. Não existiria o filme sem essa mescla de atores e personagens. Mas prefiro não duvidar do potencial de Tony Gatlif, pois ele parece fazer mágica a cada frame captado.